“Fluxos, Refluxos e Transumâncias” é um relatório especulativo, visual, sonoro e escultórico sobre as coisas líquidas, sólidas e gasosas da Serra da Estrela. Apresenta parte de uma investigação em curso que tenho vindo a desenvolver desde 2021 neste território, em colaboração com a designer Maria Ruivo, com a participação do artista sonoro Fernando Mota (Março 2023) e com o apoio da bolsa artística de longa duração (Re)Cri’arte promovida pelo Município do Fundão (2022-2023).
O projeto em construção tenta identificar as dinâmicas dramatológicas entre as pedras, os blocos erráticos, a meteorologia, a memória, a oralidade, a transumância e os movimentos da água doce do degelo. A observação das barragens e tubos direcionadores de água, enquanto ferramentas de manipulação e domínio do homem sobre os estados líquidos e sólidos da Serra, permite igualmente perceber a paisagem (o palco onde forças sociais e a natureza se digladiam) e de que forma estes elementos contam a história deste território.
Interessa também observar e especular as práticas e transumâncias dos pastores da Serra da Estrela, pois são eles os elementos culturais que melhor conhecem as fontes, os rios, ribeiros e lagoas, conhecem as rotas, a flora e a fauna, lidam com a invisibilidade dos nevoeiros, nomeiam pedras e os lapões.
Este projeto mostra ainda um particular interesse na Lagoa Escura, ponto remoto e de difícil acesso, onde parece confluir grande parte dos mitos locais, com as suas narrativas poéticas e crenças vincadas, amplamente desacreditadas pela Expedição Científica de 1881, levada a cabo pela Sociedade de Geografia de Lisboa, que investigou de forma dedicada este mesmo local.
"Flows, Reflows, and Transhumances" is a speculative, visual, sonic, and sculptural report on the liquid, solid, and gaseous elements of Serra da Estrela. It presents part of an ongoing investigation that I have been developing since 2021 in this territory, in collaboration with designer Maria Ruivo, with the participation of sound artist Fernando Mota (March 2023) and with the support of the long-term artistic grant (Re)Cri’arte, promoted by the Municipality of Fundão (2022-2023).
The project under construction seeks to identify dramatological dynamics between stones, erratic boulders, meteorology, memory, orality, transhumance, and the movements of freshwater from the thaw. Observing dams and water-directing pipes as tools of human manipulation and control over the liquid and solid states of the Serra also allows for an understanding of the landscape (the stage where social forces and nature clash) and how these elements narrate the history of this territory.
It is also of interest to observe and speculate on the practices and transhumances of the shepherds of Serra da Estrela, as they are the cultural elements who best know the springs, rivers, streams, and lagoons, know the routes, flora, and fauna, deal with the invisibility of the fog, and name the stones and lapões.
This project also shows a particular interest in Lagoa Escura, a remote and hard-to-reach place where a great part of the local myths seem to converge, with their poetic narratives and deeply rooted beliefs, largely discredited by the 1881 Scientific Expedition carried out by the Lisbon Geographical Society, which dedicated itself to investigating this very place.

Barragem Marques da Silva projectada em 1910.
[Do lado oposto da água bloqueada, as escadas do anfiteatro permitem a observação da rota antiga da água.]




Canalização da água da serra

[As barragens artificiais funcionam como elementos de domínio da água e do seu curso natural, mas parece existir uma memória mineral que não esquece o fluxo e refluxo que tomava.]



A barragem do Covão do Meio forma uma cabeça de lobo.

A carne de carneiro ou de porco fica negra quando os animais morrem afogados nas barragens ou nas lagoas da serra. Para terem os pratos mais caros, alguns donos de restaurantes locais afogavam os seus suínos para assemelhar-se à carne de javali.


Vale glaciar do rio Zêrere

O tio Ramiro confirmou-me que as suas ovelhas não morrem quando mordidas por víboras. O mentraste (Mentha suaveolens), que faz parte da sua alimentação durante o pasto, atua como um antídoto natural, promovendo a sua resistência contra o veneno.
Contou-me também que as víboras, antes de beber água, depositam o veneno numa pequena pedra junto à poça. Após beberem, voltam a sugar a peçonha, pois não podem viver sem ela.
Estudo I — Chamamentos e variações

Poste de medição da água no estado sólido.

Bloco errático Mãe Parida

Bloco errático Cabeça do Sapo que Come Pássaro

Pedra Abrigo do Chibo
[Os pastores nomeiam os blocos erráticos. Estes calhaus de grandes dimensões, outrora arrastados pelo gelo do glaciar e depositados ao longo do seu curso, marcam hoje lugares, pontos de encontro ou direções. Quem vive na serra sabe os seus nomes — como uma linguagem codificada e específica.
Por baixo dessas pedras isoladas de proporções monumentais, protegiam-se da intempérie, escondiam a sua comida e eram-lhes depositadas novas provisões pelos familiares na altura da transumância.]

Pedra Cabeço do Cuspe

Pedra Caroço Carvão
— Transumância —
Transumância - junho 2023
Vila Nova de Tazem — Vale do Rossim
Com os pastores Joaquim Marvão, Francisco Santos, Gonçalo Santos
07:29:19 horas
15.54 km
449 m — 1404 m de altitude

Ninguém viajou tanto na Serra quanto os pastores e são eles os guardadores da memória do espaço, das plantas, das pedras, dos rios e dos seus movimentos. Os pastores que caminhavam para transumar, inclusive por algumas das antigas vias dos caçadores recolectores, criaram uma narrativa que categoriza o território de uma forma simbólica e equilibrada com a sua presença e subsistência: é o mito enquanto linguagem.
O tio Zé dos Pedais disse-me que passou tanto tempo no monte que às vezes pensava que "tinha nascido dos colhões de um bode". Contava que esteve demasiado tempo em silêncio e só o interrompia para falar com as cabras. Percebe-se que perdeu parte do sentido de gente e que ficou com a simpatia de um calhau. Deve sentir-se como aqueles cães que se desorientam na serra e querem voltar a ser selvagens matando o rebanho sem o comer.
Na transumância nocturna há uma movimentação invulgar das plantas e dos outros animais.]

Estudo II — Avisos, encantamentos e silvos



"Num programa da manhã da RTP estava uma cozinheira que dizia estar a preparar um prato antigo dos pastores. Ela estava a confeccionar um semifrio para sobremesa com a varinha-mágica. Devia ser uma receita de algum pastor que ligava a tomada aos cornos do bode no monte.
As pessoas pensam que a vida de pastor era fácil, era dura, muito dura. Quantas vezes passei frio e fome. Por vezes só tinha um lapão para me abrigar de noite".

Estudo III — Praguejamentos e ameaças



Estudo VI — Atiçamentos

Estudo VIII — Formas de falar com pássaro





Estudo IV — Cópia e multiplicação

Estudo VII — Assobios de ar

— Partes da Mariola —

Pedra 1

Pedra 2

Pedra 3

Pedra 4

Pedra 5

Pedra 6

Pedra 7

Pedra 8

Pedra 9

Pedra 10

Pedra 11

Pedra 12

Pedra 13

Pedra 14

Pedra 15
[A mariola é um objeto em forma piramidal ou cónica, feito de pedras pequenas empilhadas. É artefato de orientação e caminho. É usada há milénios pelos pastores para indicar rotas. A sua presença ou ausência na serra pode determinar a sobrevivência dos homens e dos animais, principalmente durante os constantes nevoeiros que impedem a visibilidade.]

Abrigo de pastor oval

Pedra 16

Poio do Boi

Poio Lápide do Mouro

Poio Salto do Cabrito

Medição do Poio do Judeu com régua fluviométrica.



[Entre os 1400m e os 2000 metros de altitude há uma grande probabilidade de se formar nevoeiro cerrado. Este fenómeno meteorológico opera como uma estratégia da serra para se esconder — eu não vejo o mundo, mas o mundo também não me vê a mim.]
Análise da densidade do nevoeiro
dia de Março, 2023
40.355469, -7.636965
Decalques orográficos
Decalques de pedras do Mondeguinho
Carvão e papel vegetal
30X40cm


















“Alteram-se as lagoas da outra banda
Tão medonhas e horríficas bramindo
Que parece que o mar na serra anda
Ou que a serra no mar se vai fundindo”
Brás Garcia de Mascarenhas, “Viriato Trágico”, 1699

Lagoa Escura, 1685 m altit.
[Conta-se, pelo menos desde o século XVI, que a Lagoa Escura tem ligação direta ao mar. Teria que haver pouco mais de 100 km de canal subterrâneo em linha recta entre a água salgada e a água doce do degelo. É, por este motivo, chamada de Olho do Mar ou Olho marinho.
A oralidade serrana sobre esta lagoa, e sobre a associação feita entre estes dois elementos que tanto se distanciam geograficamente, é rica. Quando havia tempestade no mar, as águas da Lagoa Escura agitavam-se e, por vezes, apareciam tábuas e restos de navios naufragados. Os pastores davam de beber ao gado sem nunca se aproximarem da lagoa por receio dos monstros marinhos. Dizia-se que, por vezes, o sabor desta água era salgada. Por ser tão escura, supunha-se muito profunda, e todos diziam que algo puxava para o fundo sempre que alguém se atrevia a banhar. ]
Processo, 2023, vídeo por Alexandre Delmar, música por Fernando Mota, 9'30'' loop.
[Em 1881, realizou-se uma Expedição Científica à Serra da Estrela, patrocinada pela Sociedade de Geografia de Lisboa. Esta viagem exploratória que reuniu cientistas das mais diversas áreas — antropologia, etnologia, meteorologia, hidrologia, medicina e arqueologia — tinha como principal objetivo a investigação deste território português ainda muito pouco estudado.
A Lagoa Escura foi um dos alvos da curiosidade científica. Armados com instrumentos de medição e tendo os pastores locais como guias, analisaram a acidez da água, a sua profundidade, a flora e a fauna das margens. Há relatos do pânico dos pastores que viam os expedicionários a mergulhar nas águas da Lagoa Escura. Aniquilava-se, assim, a narrativa identitária serrana. O dogma do método e da linguagem científica colonizava, homogeneizava e refutava categoricamente o mito, sugerindo que a sua transmissão era uma consequência da falta de cultura das gentes.]



"O mito é uma fala, um sistema de comunicação, uma mensagem; é um modo de significação, uma forma. Já que o mito é uma fala, tudo pode constituir um mito, desde que seja susceptível de ser julgado por um discurso. Tudo pode ser mito, pois o universo é infinitamente sugestivo. Cada objecto do mundo pode passar de uma existência fechada, muda, a um estado oral, aberto à apropriação da sociedade, pois nenhuma lei, natural ou não, pode impedir-nos de falar nas coisas."
Roland Barthes, in Mitologias
— Perturbações —








































































[Em torno da Lagoa Escura, a paisagem é marcada por formações arbustivas rasteiras como o zimbro modelado (assim designado por alguns botânicos por moldar a sua forma às rochas) e a urze, cujos crescimentos horizontais sinuosos se devem à neve, ao vento forte e aos solos pobres. Recolhidos estes espécimes mortos e outras madeiras que gravitam as margens, ordenaram-se, preservaram-se e expuseram-se segundo técnicas de colecionismo entomológico.]
— Bitchos —













ANO YEAR · 2021 — Em Progresso On going
CO-AUTORES COAUTHORS · Maria Ruivo
RESIDÊNCIA ARTÍSTICA ARTISTIC RESIDENCE · (Re)Cri’arte, Município do Fundão
LOCAL LOCATION · Serra da Estrela
“Fluxos, Refluxos e Transumâncias” é um relatório especulativo, visual, sonoro e escultórico sobre as coisas líquidas, sólidas e gasosas da Serra da Estrela. Apresenta parte de uma investigação em curso que tenho vindo a desenvolver desde 2021 neste território, em colaboração com a designer Maria Ruivo, com a participação do artista sonoro Fernando Mota (Março 2023) e com o apoio da bolsa artística de longa duração (Re)Cri’arte promovida pelo Município do Fundão (2022-2023).
O projeto em construção tenta identificar as dinâmicas dramatológicas entre as pedras, os blocos erráticos, a meteorologia, a memória, a oralidade, a transumância e os movimentos da água doce do degelo. A observação das barragens e tubos direcionadores de água, enquanto ferramentas de manipulação e domínio do homem sobre os estados líquidos e sólidos da Serra, permite igualmente perceber a paisagem (o palco onde forças sociais e a natureza se digladiam) e de que forma estes elementos contam a história deste território.
Interessa também observar e especular as práticas e transumâncias dos pastores da Serra da Estrela, pois são eles os elementos culturais que melhor conhecem as fontes, os rios, ribeiros e lagoas, conhecem as rotas, a flora e a fauna, lidam com a invisibilidade dos nevoeiros, nomeiam pedras e os lapões.
Este projeto mostra ainda um particular interesse na Lagoa Escura, ponto remoto e de difícil acesso, onde parece confluir grande parte dos mitos locais, com as suas narrativas poéticas e crenças vincadas, amplamente desacreditadas pela Expedição Científica de 1881, levada a cabo pela Sociedade de Geografia de Lisboa, que investigou de forma dedicada este mesmo local.
"Flows, Reflows, and Transhumances" is a speculative, visual, sonic, and sculptural report on the liquid, solid, and gaseous elements of Serra da Estrela. It presents part of an ongoing investigation that I have been developing since 2021 in this territory, in collaboration with designer Maria Ruivo, with the participation of sound artist Fernando Mota (March 2023) and with the support of the long-term artistic grant (Re)Cri’arte, promoted by the Municipality of Fundão (2022-2023).
The project under construction seeks to identify dramatological dynamics between stones, erratic boulders, meteorology, memory, orality, transhumance, and the movements of freshwater from the thaw. Observing dams and water-directing pipes as tools of human manipulation and control over the liquid and solid states of the Serra also allows for an understanding of the landscape (the stage where social forces and nature clash) and how these elements narrate the history of this territory.
It is also of interest to observe and speculate on the practices and transhumances of the shepherds of Serra da Estrela, as they are the cultural elements who best know the springs, rivers, streams, and lagoons, know the routes, flora, and fauna, deal with the invisibility of the fog, and name the stones and lapões.
This project also shows a particular interest in Lagoa Escura, a remote and hard-to-reach place where a great part of the local myths seem to converge, with their poetic narratives and deeply rooted beliefs, largely discredited by the 1881 Scientific Expedition carried out by the Lisbon Geographical Society, which dedicated itself to investigating this very place.

Barragem Marques da Silva projectada em 1910.
[Do lado oposto da água bloqueada, as escadas do anfiteatro permitem a observação da rota antiga da água.]




Canalização da água da serra



[As barragens artificiais funcionam como elementos de domínio da água e do seu curso natural, mas parece existir uma memória mineral que não esquece o fluxo e refluxo que tomava.]

A barragem do Covão do Meio forma uma cabeça de lobo.

A carne de carneiro ou de porco fica negra quando os animais morrem afogados nas barragens ou nas lagoas da serra. Para terem os pratos mais caros, alguns donos de restaurantes locais afogavam os seus suínos para assemelhar-se à carne de javali.

[As barragens artificiais funcionam como elementos de domínio da água e do seu curso natural, mas parece existir uma memória mineral que não esquece o fluxo e refluxo que tomava.]

Vale glaciar do rio Zêrere

O tio Ramiro confirmou-me que as suas ovelhas não morrem quando mordidas por víboras. O mentraste (Mentha suaveolens), que faz parte da sua alimentação durante o pasto, atua como um antídoto natural, promovendo a sua resistência contra o veneno.
Contou-me também que as víboras, antes de beber água, depositam o veneno numa pequena pedra junto à poça. Após beberem, voltam a sugar a peçonha, pois não podem viver sem ela.

Poste de medição da água no estado sólido.

Pedra Abrigo do Chibo
[Os pastores nomeiam os blocos erráticos. Estes calhaus de grandes dimensões, outrora arrastados pelo gelo do glaciar e depositados ao longo do seu curso, marcam hoje lugares, pontos de encontro ou direções. Quem vive na serra sabe os seus nomes — como uma linguagem codificada e específica.
Por baixo dessas pedras isoladas de proporções monumentais, protegiam-se da intempérie, escondiam a sua comida e eram-lhes depositadas novas provisões pelos familiares na altura da transumância.]
— Partes da Mariola —

Pedra 1

Pedra 2

Pedra 3

Pedra 4

Pedra 5

Pedra 6

Pedra 7

Pedra 8

Pedra 9

Pedra 10

Pedra 11

Pedra 12

Pedra 13

Pedra 14

Pedra 15
[A mariola é um objeto em forma piramidal ou cónica, feito de pedras pequenas empilhadas. É artefato de orientação e caminho. É usada há milénios pelos pastores para indicar rotas. A sua presença ou ausência na serra pode determinar a sobrevivência dos homens e dos animais, principalmente durante os constantes nevoeiros que impedem a visibilidade.]

Abrigo de pastor oval

Pedra 16

Poio do Boi

Poio Lápide do Mouro

Poio Salto do Cabrito

Medição do Poio do Judeu com régua fluviométrica.
Análise da densidade do nevoeiro
dia de Março, 2023
40.355469, -7.636965
“Alteram-se as lagoas da outra banda
Tão medonhas e horríficas bramindo
Que parece que o mar na serra anda
Ou que a serra no mar se vai fundindo”
Brás Garcia de Mascarenhas, “Viriato Trágico”, 1699

Lagoa Escura, 1685 m altit.
[Conta-se, pelo menos desde o século XVI, que a Lagoa Escura tem ligação direta ao mar. Teria que haver pouco mais de 100 km de canal subterrâneo em linha recta entre a água salgada e a água doce do degelo. É, por este motivo, chamada de Olho do Mar ou Olho marinho.
A oralidade serrana sobre esta lagoa, e sobre a associação feita entre estes dois elementos que tanto se distanciam geograficamente, é rica. Quando havia tempestade no mar, as águas da Lagoa Escura agitavam-se e, por vezes, apareciam tábuas e restos de navios naufragados. Os pastores davam de beber ao gado sem nunca se aproximarem da lagoa por receio dos monstros marinhos. Dizia-se que, por vezes, o sabor desta água era salgada. Por ser tão escura, supunha-se muito profunda, e todos diziam que algo puxava para o fundo sempre que alguém se atrevia a banhar. ]
Processo, 2023, vídeo por Alexandre Delmar, música por Fernando Mota, 9'30'' loop.
[Em 1881, realizou-se uma Expedição Científica à Serra da Estrela, patrocinada pela Sociedade de Geografia de Lisboa. Esta viagem exploratória que reuniu cientistas das mais diversas áreas — antropologia, etnologia, meteorologia, hidrologia, medicina e arqueologia — tinha como principal objetivo a investigação deste território português ainda muito pouco estudado.
A Lagoa Escura foi um dos alvos da curiosidade científica. Armados com instrumentos de medição e tendo os pastores locais como guias, analisaram a acidez da água, a sua profundidade, a flora e a fauna das margens. Há relatos do pânico dos pastores que viam os expedicionários a mergulhar nas águas da Lagoa Escura. Aniquilava-se, assim, a narrativa identitária serrana. O dogma do método e da linguagem científica colonizava, homogeneizava e refutava categoricamente o mito, sugerindo que a sua transmissão era uma consequência da falta de cultura das gentes.]



"O mito é uma fala, um sistema de comunicação, uma mensagem; é um modo de significação, uma forma. Já que o mito é uma fala, tudo pode constituir um mito, desde que seja susceptível de ser julgado por um discurso. Tudo pode ser mito, pois o universo é infinitamente sugestivo. Cada objecto do mundo pode passar de uma existência fechada, muda, a um estado oral, aberto à apropriação da sociedade, pois nenhuma lei, natural ou não, pode impedir-nos de falar nas coisas."
Roland Barthes, in Mitologias
— Perturbações —








































































[Em torno da Lagoa Escura, a paisagem é marcada por formações arbustivas rasteiras como o zimbro modelado (assim designado por alguns botânicos por moldar a sua forma às rochas) e a urze, cujos crescimentos horizontais sinuosos se devem à neve, ao vento forte e aos solos pobres. Recolhidos estes espécimes mortos e outras madeiras que gravitam as margens, ordenaram-se, preservaram-se e expuseram-se segundo técnicas de colecionismo entomológico.]
— Bitchos —













ANO YEAR · 2021 — Em Progresso On going
CO-AUTORES COAUTHORS · Maria Ruivo
RESIDÊNCIA ARTÍSTICA ARTISTIC RESIDENCE · (Re)Cri’arte, Município do Fundão
LOCAL LOCATION · Serra da Estrela