O projeto "Dois Tons de Cinza" nasce da residência artística realizada na Madeira, por Alexandre Delmar e Maria Ruivo (A Recoletora), em Agosto de 2024. Neste território, continuaram a sua investigação e criação em torno das estratégias e das dinâmicas pastoris — relacionadas com o rebanho, a comunicação, a orientação, a propriedade, a caminhada, a alimentação e o mito — que resistem ao tempo e que continuam a marcar a paisagem e o quotidiano da ilha.
Esta residência artística realizou-se no âmbito do projeto ‘Semeadores’ da Câmara Municipal do Funchal, coordenado pelo Museu Henrique e Francisco Franco e pela Capela da Boa Viagem, com o Programa de Apoio da Rede Portuguesa de Arte Contemporânea (RPAC) da DGArtes. O projeto “Dois tons de cinza” inseriu-se nas linhas orientadoras do Eixo Interespécies, que se propõe explorar e questionar os fluxos entre os espaços rurais e urbanos, analisando as especificidades da paisagem e as relações entre as espécies animais e vegetais, estabelecendo simultaneamente uma ligação com a etnografia, a paisagem, a história e a cultura do arquipélago.
The exhibition "Two Tones of Grey" emerged from the artistic residency held in Madeira by Alexandre Delmar and Maria Ruivo (A Recoletora), in August 2024. In this territory, they continued their research and creation around pastoral strategies and dynamics — related to herding, communication, orientation, ownership, walking, nourishment, and myth — that resist time and continue to shape the landscape and daily life of the island.
This artistic residency took place within the scope of the 'Semeadores' (Sowers) project of the Funchal City Council, coordinated by the Henrique and Francisco Franco Museum and the Chapel of Boa Viagem, with the support of the Portuguese Contemporary Art Network (RPAC) program of DGArtes. The project “Two Tones of Grey” was carried out within the framework of the Interspecies Axis, which aims to explore and reflect on the interactions between rural and urban spaces, considering the specificities of the landscape and the relationships between animal and plant species, while also establishing connections with the ethnography, landscape, history, and culture of the archipelago.
"Dois tons de cinza", 2024.
Vídeo 4K, som, 17’47’’
Madeira
A curta metragem "Dois tons de cinza", que dá nome ao projeto, celebra, a partir da região da Madeira, uma noção de ‘Monte’ expandida que vai além do espaço geográfico, para o de um lugar relacional. Misturando o documental e a ficção, a narrativa explora, em paralelo, a história do povoamento da ilha e o contexto pastoril local, atendendo à verticalidade deste território e às dinâmicas de interdependência entre as diferentes comunidades de animais, minerais, humanos e plantas, aos seus códigos de comunicação e linguagens.
A névoa e o fumo, enquanto estados turvos, abstractos e cinzentos, ajudam a construir o mito como lugar de recuperação, onde as fronteiras entre natureza e cultura diluem-se — o pastor fala com (e como) as ovelhas; o grito tem a orografia da ilha, feita de ecos e reverberações; o homem tem inveja dos pássaros; a traqueia deforma-se como cascas de árvores; o cão torna-se “danado” como um lobo insular; as pedras basálticas contam a história do fogo; os sinais das orelhas treinam-se em folhas de louro; o pastor tem pés de cabras; as plantas crescem de memória.
The short film “Two Tones of Grey”, which lends its title to the project, celebrates, from Madeira, an expanded notion of 'Mountain' that goes beyond the geographical space to become a relational place. Blending documentary and fiction, the narrative simultaneously explores the history of the island’s settlement and the local pastoral context, paying attention to the verticality of this territory and to the dynamics of interdependence among different communities of animals, minerals, humans, and plants, along with their codes of communication and languages.
Mist and smoke, as turbid, abstract, and gray states, help build the myth as a place of recovery, where the boundaries between nature and culture blur — the shepherd speaks with (and as) the sheep; the cry carries the orography of the island, made of echoes and reverberations; man envies the birds; the trachea deforms like tree bark; the dog becomes “possessed” like an insular wolf; the basalt stones tell the story of fire; ear signs are trained on bay leaves; the shepherd has goat’s feet; plants grow out of memory.
"Oração às Orelhas", 2024.
Vídeo 4K, som, 7’03’’ (loop).
Com base no livro de Registos de Sinais do Grémio dos Pastores do Concelho do Funchal.
Para reconhecer as suas ovelhas e cabras, que vagueavam soltas na serra, o pastor madeirense desenvolveu um código próprio, feito de cortes específicos nas orelhas dos animais. Para aperfeiçoar esta técnica, pratica os entalhes com a navalha em folhas de louro, castanheiro ou outras que estejam mais à mão.
Cada pastor tem a sua assinatura, e ela corre na família, de pai para filho, de filho para neto. A cada geração que passa é acrescentado um furo, um corte ou um rasgão.
Orelha troncha, com buraco, guiada, com mossa, fendida, de ramal, em farpas, de aguço, forca, com pico, de escadinha, com barba de anzol — estes são os 12 sinais primitivos. Com eles marca-se a propriedade do homem sobre o animal; com eles dá-se forma a uma língua nativa que só os pastores sabem ler e escrever.
To identify their sheep and goats, which roamed freely in the mountains, Madeira’s shepherds developed a distinct system of markings, consisting of specific cuts made on the animals’ ears. To refine this technique, they practiced the incisions with a knife on bay leaves, chestnut leaves, or others readily at hand.
Each shepherd possesses a signature code, transmitted through kinship lines — from father to son, from son to grandson. With each generation, a new hole, cut, or slit is added.
'Truncated ear, pierced, guided, notched, split, branched, jagged, pointed, forked, peaked, stepped, hook-bearded' — these constitute the twelve primitive signs. Through them, human ownership over the animal is inscribed; through them, a native language is shaped, one that only shepherds are able to read and write.
ANO YEAR · 2024
LOCAL LOCATION · ilha da Madeira, portugal
autores authors · Alexandre Delmar + Maria Ruivo (a recoletora)
RESIDÊNCIA ARTÍSTICA ARTISTIC RESIDENCE · semeadores (Câmara Municipal do funchal)
curador Curator · Hélder folgado
coordenação coordination · Capela da Boa Viagem e Museu Henrique e Francisco Franco
apoio support · Rede Portuguesa de Arte Contemporânea (RPAC) - DGartes
parceria Partnership · Coleção Fundação Bienal de Arte de Cerveira
agradecimentos Acknowledgements · Hélder Folgado, José Manuel Gomes, João Abel Escórcio, Ricardo Forte, José Feliciano Baptista, André Vieira, José Manica, Francisco Pargo, Xavier Castro, António Paixão, José Carlos Marques, Sílvia Silva, Rui Camacho, José Camacho, Tomás Camacho, Teresa Camacho, D. Benvinda, Sandra Cardoso e Rui Dantas (A Biqueira), Sr Heliodoro., Irina Andrusko (Enfia o Barrete), Museu de História Natural, Sónia Marques (Tratuário).
O projeto "Dois Tons de Cinza" nasce da residência artística realizada na Madeira, por Alexandre Delmar e Maria Ruivo (A Recoletora), em Agosto de 2024. Neste território, continuaram a sua investigação e criação em torno das estratégias e das dinâmicas pastoris — relacionadas com o rebanho, a comunicação, a orientação, a propriedade, a caminhada, a alimentação e o mito — que resistem ao tempo e que continuam a marcar a paisagem e o quotidiano da ilha.
Esta residência artística realizou-se no âmbito do projeto ‘Semeadores’ da Câmara Municipal do Funchal, coordenado pelo Museu Henrique e Francisco Franco e pela Capela da Boa Viagem, com o Programa de Apoio da Rede Portuguesa de Arte Contemporânea (RPAC) da DGArtes. O projeto “Dois tons de cinza” inseriu-se nas linhas orientadoras do Eixo Interespécies, que se propõe explorar e questionar os fluxos entre os espaços rurais e urbanos, analisando as especificidades da paisagem e as relações entre as espécies animais e vegetais, estabelecendo simultaneamente uma ligação com a etnografia, a paisagem, a história e a cultura do arquipélago.
The exhibition "Two Tones of Grey" emerged from the artistic residency held in Madeira by Alexandre Delmar and Maria Ruivo (A Recoletora), in August 2024. In this territory, they continued their research and creation around pastoral strategies and dynamics — related to herding, communication, orientation, ownership, walking, nourishment, and myth — that resist time and continue to shape the landscape and daily life of the island.
This artistic residency took place within the scope of the 'Semeadores' (Sowers) project of the Funchal City Council, coordinated by the Henrique and Francisco Franco Museum and the Chapel of Boa Viagem, with the support of the Portuguese Contemporary Art Network (RPAC) program of DGArtes. The project “Two Tones of Grey” was carried out within the framework of the Interspecies Axis, which aims to explore and reflect on the interactions between rural and urban spaces, considering the specificities of the landscape and the relationships between animal and plant species, while also establishing connections with the ethnography, landscape, history, and culture of the archipelago.
"Dois tons de cinza", 2024.
Vídeo 4K, som, 17’47’’
Madeira
A curta metragem "Dois tons de cinza", que dá nome ao projeto, celebra, a partir da região da Madeira, uma noção de ‘Monte’ expandida que vai além do espaço geográfico, para o de um lugar relacional. Misturando o documental e a ficção, a narrativa explora, em paralelo, a história do povoamento da ilha e o contexto pastoril local, atendendo à verticalidade deste território e às dinâmicas de interdependência entre as diferentes comunidades de animais, minerais, humanos e plantas, aos seus códigos de comunicação e linguagens.
A névoa e o fumo, enquanto estados turvos, abstractos e cinzentos, ajudam a construir o mito como lugar de recuperação, onde as fronteiras entre natureza e cultura diluem-se — o pastor fala com (e como) as ovelhas; o grito tem a orografia da ilha, feita de ecos e reverberações; o homem tem inveja dos pássaros; a traqueia deforma-se como cascas de árvores; o cão torna-se “danado” como um lobo insular; as pedras basálticas contam a história do fogo; os sinais das orelhas treinam-se em folhas de louro; o pastor tem pés de cabras; as plantas crescem de memória.
The short film “Two Tones of Grey”, which lends its title to the project, celebrates, from Madeira, an expanded notion of 'Mountain' that goes beyond the geographical space to become a relational place. Blending documentary and fiction, the narrative simultaneously explores the history of the island’s settlement and the local pastoral context, paying attention to the verticality of this territory and to the dynamics of interdependence among different communities of animals, minerals, humans, and plants, along with their codes of communication and languages.
Mist and smoke, as turbid, abstract, and gray states, help build the myth as a place of recovery, where the boundaries between nature and culture blur — the shepherd speaks with (and as) the sheep; the cry carries the orography of the island, made of echoes and reverberations; man envies the birds; the trachea deforms like tree bark; the dog becomes “possessed” like an insular wolf; the basalt stones tell the story of fire; ear signs are trained on bay leaves; the shepherd has goat’s feet; plants grow out of memory.
"Oração às Orelhas", 2024.
Vídeo 4K, som, 7’03’’ (loop).
Com base no livro de Registos de Sinais do Grémio dos Pastores do Concelho do Funchal.
Para reconhecer as suas ovelhas e cabras, que vagueavam soltas na serra, o pastor madeirense desenvolveu um código próprio, feito de cortes específicos nas orelhas dos animais. Para aperfeiçoar esta técnica, pratica os entalhes com a navalha em folhas de louro, castanheiro ou outras que estejam mais à mão.
Cada pastor tem a sua assinatura, e ela corre na família, de pai para filho, de filho para neto. A cada geração que passa é acrescentado um furo, um corte ou um rasgão.
Orelha troncha, com buraco, guiada, com mossa, fendida, de ramal, em farpas, de aguço, forca, com pico, de escadinha, com barba de anzol — estes são os 12 sinais primitivos. Com eles marca-se a propriedade do homem sobre o animal; com eles dá-se forma a uma língua nativa que só os pastores sabem ler e escrever.
To identify their sheep and goats, which roamed freely in the mountains, Madeira’s shepherds developed a distinct system of markings, consisting of specific cuts made on the animals’ ears. To refine this technique, they practiced the incisions with a knife on bay leaves, chestnut leaves, or others readily at hand.
Each shepherd possesses a signature code, transmitted through kinship lines — from father to son, from son to grandson. With each generation, a new hole, cut, or slit is added.
'Truncated ear, pierced, guided, notched, split, branched, jagged, pointed, forked, peaked, stepped, hook-bearded' — these constitute the twelve primitive signs. Through them, human ownership over the animal is inscribed; through them, a native language is shaped, one that only shepherds are able to read and write.
ANO YEAR · 2024
LOCAL LOCATION · ilha da Madeira, portugal
autores authors · Alexandre Delmar + Maria Ruivo (a recoletora)
RESIDÊNCIA ARTÍSTICA ARTISTIC RESIDENCE · semeadores (Câmara Municipal do funchal)
curador Curator · Hélder folgado
coordenação coordination · Capela da Boa Viagem e Museu Henrique e Francisco Franco
apoio support · Rede Portuguesa de Arte Contemporânea (RPAC) - DGartes
parceria Partnership · Coleção Fundação Bienal de Arte de Cerveira
agradecimentos Acknowledgements · Hélder Folgado, José Manuel Gomes, João Abel Escórcio, Ricardo Forte, José Feliciano Baptista, André Vieira, José Manica, Francisco Pargo, Xavier Castro, António Paixão, José Carlos Marques, Sílvia Silva, Rui Camacho, José Camacho, Tomás Camacho, Teresa Camacho, D. Benvinda, Sandra Cardoso e Rui Dantas (A Biqueira), Sr Heliodoro., Irina Andrusko (Enfia o Barrete), Museu de História Natural, Sónia Marques (Tratuário).