Exposição Individual Solo Exhibition
A Moagem | Cidade do Engenho e das Artes, Fundão
09.09.2023 — 05.11.2023
(O ar sai dos pulmões, entra na traqueia e chega à laringe, onde se modifica nas cordas vocais. Quando as cordas vocais estão aproximadas, vibram à passagem do ar, produzindo sons. Ao sair da laringe, o ar passa pela faringe, podendo sair pela boca ou pelo nariz. A posição das fossas nasais, céu da boca, véu palatino, lábios, língua e dentes interferem na produção dos sons.)
(The air leaves the lungs, enters the trachea, and reaches the larynx, where it is modified by the vocal cords. When the vocal cords are close together, they vibrate as air passes through, producing sounds. Upon leaving the larynx, the air passes through the pharynx, exiting either through the mouth or the nose. The positions of the nasal passages, palate, uvula, lips, tongue, and teeth interfere with the production of sounds.)
Vista geral da instalação. General view of the installation.
A exposição «Relatório preliminar: corno-traqueia» reflete sobre a tradição milenar de comunicação dos pastores da Serra da Estrela com os seus animais de pastorícia. Aqui, o mecanismo de produzir e interpretar sons é entendido como a linguagem comum e o lugar de conexão que aproxima o homem do animal.
O homem berra, o animal agita-se. O som é imposição, incita paragem ou direção, torna-se insulto quando o animal não obedece, dá o alerta na presença de perigos ou predadores. Identificam-se e ficcionam-se os trejeitos, os chamamentos, as vocalizações e o tempo, numa tentativa de entendimento desta fala codificada. No processo, descobre-se um léxico capaz de comunicar com pássaros.
The exhibition titled "Preliminary Report: Horn-Trachea" reflects on the age-old tradition of communication between shepherds in the Serra da Estrela and their pastoral animals. Here, the mechanism of producing and interpreting sounds is understood as the common language and the connecting point that brings humans closer to animals.
The man bellows, the animal stirs. Sound becomes a command, urging a halt or directing movement. It transforms into an insult when the animal disobeys, serves as an alert in the presence of dangers or predators. Gestures, calls, vocalizations, and time are identified and fictionalized in an attempt to understand this coded language. In the process, a lexicon capable of communicating with birds is discovered.
Vista geral da instalação. General view of the installation.
Disposta no espaço enquanto gruta, a instalação exibe, por um lado, representações audiovisuais nas "paredes" laterais à imagem das pinturas rupestres pré-históricas * — são 8 estudos que, através de ecrãs, headphones e legendas expandidas, apresentam uma tentativa de catalogação das tipologias de sons emitidas pelos pastores da Serra da Estrela.
Por outro lado, à medida que se adentra na galeria, a instalação revela um fundo que não se limita a uma superfície plana. Aqui, a projeção de "A Fala das Cabras e dos Pastores", em formato integral, torna-se disforme e multifacetada; nas profundezas da caverna, a boca escala e o grito ecoa.
* Steven J. Waller, arqueólogo Americano especializado em acústica, defende que os povos primitivos acreditavam que o eco que se sente no interior das cavernas, se devia à existência de seres espirituais que habitavam as rochas destes espaços. Constata-se, assim, que um local de pintura rupestre não é simplesmente um painel de imagens, mas também a experiência sonora do espaço. O som e a reverberação das cavernas determinavam o que se desenhava e pintava nestes locais, de acordo com o autor.
Arranged in space as a cave, the installation displays, on one hand, audiovisual representations on the "walls" reminiscent of prehistoric cave paintings * — eight studies that, through screens, headphones and expanded captions, attempt to catalog typologies of sounds emitted by the shepherds of Serra da Estrela. On the other hand, as one ventures further into the gallery, the installation reveals a background that extends beyond a flat surface. Here, the projection of "The Speech of Goats and Goatherds" in its entirety, becomes distorted and multifaceted; in the depths of the cave, the mouth scales, and the scream echoes.
* Steven J. Waller, an American archaeologist specialized in acoustics, argues that primitive peoples believed the echo felt inside caves was due to the existence of spiritual beings inhabiting the rocks in these spaces. It is observed, therefore, that a site with cave paintings is not merely a panel of images but also the auditory experience of the space. According to the author, the sound and reverberation of caves influenced what was drawn and painted in these locations.
8 LEGENDAS EXPANDIDAS PARA UM RELATÓRIO PRELIMINAR / Por João Terras
( ESTUDO I )
CHAMAMENTOS E VARIAÇÕES
O primeiro momento é quando o silêncio é interrompido. Até ali estavam as espécies lado a lado; uma chama, rompendo o silêncio como quem toca no ouvido. Um “tche, chiba, tchibo”, um primeiro vulto, um antes de se formar. Também o corpo balança, não só a cabeça, para projetar um “tche”. Tronco, ombros, pés, num ligeiro subir. No ar toca o ouvido da cabra. “Toma, tomá, bota, botáqui, anda, andá, chibo, chibinho, tchibe.”
( ESTUDO II )
AVISOS, ENCANTAMENTO E SILVOS
O lábio encurta, a veia desce, o lábio graceja, a traqueia não move. O que vemos é paisagem, é a transumância em seu pleno. Não há palavra, não há latir; existe apenas o vibrar, o vento, a queda das plantas, o rastejar dos seres. O lábio encurta porque tudo caminha na nave.
( ESTUDO III )
PRAGUEJAMENTOS E AMEAÇAS
Quando algo nos escapa e a boca não chega. O lábio treme numa velocidade cruzada com a linguagem que dominamos. Estica-se a pele, voltam-se as veias. Enquanto o bode vai a única esperança é que volte. Mistura-se a necessidade de criar com a linguagem que o humano conhece. É a luta interior por nunca conseguirmos. O nascimento da violência está no silêncio.
( ESTUDO IV )
CÓPIA E MULTIPLICAÇÃO
“E nós, capazes de permanecer no mundo sem temor”(1), tanto tempo caminhamos que falamos para cima. Agitamos a língua para nós próprios, tentamos ser som pelo som, ser um corpo mais no rebanho. O tempo que corre atrás de uma montanha tem a sua forma. Vemos a boca que nos desenha a paisagem.
(1) António Poppe e Mumtazz
( ESTUDO V )
BATRÁQUIOS
De fora para dentro, o ar não passa do dente. Tentamos o ciclo vicioso da voz, unimos língua e traqueia, deixamos de ser nós, passamos a ser um semelhante. Batráquio que falas. Tentamos o ar que volta, cantamos de fora para dentro. Tentamos de tudo.
( ESTUDO VI )
ATIÇAMENTOS
Agora já não há lobos. O que vemos é o cão deitado de frente para a montanha. O Zumbido procura beliscar a criatura. Mosca malvada é o som, silêncio que não o deixa.
( ESTUDO VII )
ASSOBIOS DE AR
Queremos atingir o lugar onde sempre estivemos até aqui, o da não-linguagem ou o de uma linguagem outra. Por onde já não mais sabemos ir, damos lugar à musculatura da traqueia, ao trémulo agitar dos lábios, procuramos no ar, nesse lugar do invisível que perdura e liga todas as coisas, procuramos no ar esse mágico sentido das formas.
( ESTUDO VIII )
FORMAS DE FALAR COM PÁSSAROS
Diria que somos tão somente aquilo que podemos ser no tempo que não controlamos. Tudo ao mesmo tempo, a nossa boca vira bico, a pele vira pena, o nosso sopro, cantar. Tudo ao mesmo tempo, num tempo além tempo. Não é a nossa voz acelerada que parece o cantar de um pássaro é o cantar de um pássaro lento que parece falar-nos a mesma língua. Pastor que andas à velocidade do prado, tens montanhas e caminho, o que te leva é o ar.
Projeção de "A Fala das Cabras e dos Pastores" em 4 paredes Projection of "The speech of Goats and Goatherds" onto four walls — Serra da Estrela
500cm x 210cm
Diferentes vistas da vídeo-projeção "A Fala das Cabras e dos Pastores" Different views of the video projection "The speech of Goats and Goatherds" — Serra da Estrela
Vídeo "A Fala das Cabras e dos Pastores" Video "The speech of Goats and Goatherds" — Serra da Estrela.
Alexandre Delmar, 2023
ANO YEAR · 2023
CO-AUTORES COAUTHORS · Alexandre delmar & Maria Ruivo
Legendas ExpandidAS Expanded Subtitles · João Terras
GALERIA GALLERY · a Moagem | Cidade do Engenho e das Artes, Fundão, PT.
financiamento FUNDING · Bolsa (Re)Cri’Arte - Município do Fundão
programaDOR cultural cultural programmer · Miguel Rainha
produção PRODUCTION · Telma Marques, Esmeralda Tavares, Catarina Correia
montagem da exposição exhibition assembly · João Caria
Agradecimentos especiais SPECIAL THANKS · Pastores da serra da estrela serra da estrela goatherds — Américo Albuquerque / António Tomás / Carlos Ribeiro / Dinis Oliveira / Eduardo Pereira / Francisco Santos / Gonçalo Santos / Joaquim Marvão / Jorge Cardoso / Miguel Pula / Pedro Marotão / Ramiro Menino
Exposição Individual Solo Exhibition
A Moagem | Cidade do Engenho e das Artes, Fundão
09.09.2023 — 05.11.2023
(O ar sai dos pulmões, entra na traqueia e chega à laringe, onde se modifica nas cordas vocais. Quando as cordas vocais estão aproximadas, vibram à passagem do ar, produzindo sons. Ao sair da laringe, o ar passa pela faringe, podendo sair pela boca ou pelo nariz. A posição das fossas nasais, céu da boca, véu palatino, lábios, língua e dentes interferem na produção dos sons.)
(The air leaves the lungs, enters the trachea, and reaches the larynx, where it is modified by the vocal cords. When the vocal cords are close together, they vibrate as air passes through, producing sounds. Upon leaving the larynx, the air passes through the pharynx, exiting either through the mouth or the nose. The positions of the nasal passages, palate, uvula, lips, tongue, and teeth interfere with the production of sounds.)
Vista geral da instalação. General view of the installation.
A exposição «Relatório preliminar: corno-traqueia» reflete sobre a tradição milenar de comunicação dos pastores da Serra da Estrela com os seus animais de pastorícia. Aqui, o mecanismo de produzir e interpretar sons é entendido como a linguagem comum e o lugar de conexão que aproxima o homem do animal.
O homem berra, o animal agita-se. O som é imposição, incita paragem ou direção, torna-se insulto quando o animal não obedece, dá o alerta na presença de perigos ou predadores. Identificam-se e ficcionam-se os trejeitos, os chamamentos, as vocalizações e o tempo, numa tentativa de entendimento desta fala codificada. No processo, descobre-se um léxico capaz de comunicar com pássaros.
The exhibition titled "Preliminary Report: Horn-Trachea" reflects on the age-old tradition of communication between shepherds in the Serra da Estrela and their pastoral animals. Here, the mechanism of producing and interpreting sounds is understood as the common language and the connecting point that brings humans closer to animals.
The man bellows, the animal stirs. Sound becomes a command, urging a halt or directing movement. It transforms into an insult when the animal disobeys, serves as an alert in the presence of dangers or predators. Gestures, calls, vocalizations, and time are identified and fictionalized in an attempt to understand this coded language. In the process, a lexicon capable of communicating with birds is discovered.
Vista geral da instalação. General view of the installation.
Disposta no espaço enquanto gruta, a instalação exibe, por um lado, representações audiovisuais nas "paredes" laterais à imagem das pinturas rupestres pré-históricas * — são 8 estudos que, através de ecrãs, headphones e legendas expandidas, apresentam uma tentativa de catalogação das tipologias de sons emitidas pelos pastores da Serra da Estrela.
Por outro lado, à medida que se adentra na galeria, a instalação revela um fundo que não se limita a uma superfície plana. Aqui, a projeção de "A Fala das Cabras e dos Pastores", em formato integral, torna-se disforme e multifacetada; nas profundezas da caverna, a boca escala e o grito ecoa.
* Steven J. Waller, arqueólogo Americano especializado em acústica, defende que os povos primitivos acreditavam que o eco que se sente no interior das cavernas, se devia à existência de seres espirituais que habitavam as rochas destes espaços. Constata-se, assim, que um local de pintura rupestre não é simplesmente um painel de imagens, mas também a experiência sonora do espaço. O som e a reverberação das cavernas determinavam o que se desenhava e pintava nestes locais, de acordo com o autor.
Arranged in space as a cave, the installation displays, on one hand, audiovisual representations on the "walls" reminiscent of prehistoric cave paintings * — eight studies that, through screens, headphones and expanded captions, attempt to catalog typologies of sounds emitted by the shepherds of Serra da Estrela. On the other hand, as one ventures further into the gallery, the installation reveals a background that extends beyond a flat surface. Here, the projection of "The Speech of Goats and Goatherds" in its entirety, becomes distorted and multifaceted; in the depths of the cave, the mouth scales, and the scream echoes.
* Steven J. Waller, an American archaeologist specialized in acoustics, argues that primitive peoples believed the echo felt inside caves was due to the existence of spiritual beings inhabiting the rocks in these spaces. It is observed, therefore, that a site with cave paintings is not merely a panel of images but also the auditory experience of the space. According to the author, the sound and reverberation of caves influenced what was drawn and painted in these locations.
8 LEGENDAS EXPANDIDAS PARA UM RELATÓRIO PRELIMINAR / Por João Terras
( ESTUDO I )
CHAMAMENTOS E VARIAÇÕES
O primeiro momento é quando o silêncio é interrompido. Até ali estavam as espécies lado a lado; uma chama, rompendo o silêncio como quem toca no ouvido. Um “tche, chiba, tchibo”, um primeiro vulto, um antes de se formar. Também o corpo balança, não só a cabeça, para projetar um “tche”. Tronco, ombros, pés, num ligeiro subir. No ar toca o ouvido da cabra. “Toma, tomá, bota, botáqui, anda, andá, chibo, chibinho, tchibe.”
( ESTUDO II )
AVISOS, ENCANTAMENTO E SILVOS
O lábio encurta, a veia desce, o lábio graceja, a traqueia não move. O que vemos é paisagem, é a transumância em seu pleno. Não há palavra, não há latir; existe apenas o vibrar, o vento, a queda das plantas, o rastejar dos seres. O lábio encurta porque tudo caminha na nave.
( ESTUDO III )
PRAGUEJAMENTOS E AMEAÇAS
Quando algo nos escapa e a boca não chega. O lábio treme numa velocidade cruzada com a linguagem que dominamos. Estica-se a pele, voltam-se as veias. Enquanto o bode vai a única esperança é que volte. Mistura-se a necessidade de criar com a linguagem que o humano conhece. É a luta interior por nunca conseguirmos. O nascimento da violência está no silêncio.
( ESTUDO IV )
CÓPIA E MULTIPLICAÇÃO
“E nós, capazes de permanecer no mundo sem temor”(1), tanto tempo caminhamos que falamos para cima. Agitamos a língua para nós próprios, tentamos ser som pelo som, ser um corpo mais no rebanho. O tempo que corre atrás de uma montanha tem a sua forma. Vemos a boca que nos desenha a paisagem.
(1) António Poppe e Mumtazz
( ESTUDO V )
BATRÁQUIOS
De fora para dentro, o ar não passa do dente. Tentamos o ciclo vicioso da voz, unimos língua e traqueia, deixamos de ser nós, passamos a ser um semelhante. Batráquio que falas. Tentamos o ar que volta, cantamos de fora para dentro. Tentamos de tudo.
( ESTUDO VI )
ATIÇAMENTOS
Agora já não há lobos. O que vemos é o cão deitado de frente para a montanha. O Zumbido procura beliscar a criatura. Mosca malvada é o som, silêncio que não o deixa.
( ESTUDO VII )
ASSOBIOS DE AR
Queremos atingir o lugar onde sempre estivemos até aqui, o da não-linguagem ou o de uma linguagem outra. Por onde já não mais sabemos ir, damos lugar à musculatura da traqueia, ao trémulo agitar dos lábios, procuramos no ar, nesse lugar do invisível que perdura e liga todas as coisas, procuramos no ar esse mágico sentido das formas.
( ESTUDO VIII )
FORMAS DE FALAR COM PÁSSAROS
Diria que somos tão somente aquilo que podemos ser no tempo que não controlamos. Tudo ao mesmo tempo, a nossa boca vira bico, a pele vira pena, o nosso sopro, cantar. Tudo ao mesmo tempo, num tempo além tempo. Não é a nossa voz acelerada que parece o cantar de um pássaro é o cantar de um pássaro lento que parece falar-nos a mesma língua. Pastor que andas à velocidade do prado, tens montanhas e caminho, o que te leva é o ar.
Projeção de "A Fala das Cabras e dos Pastores" em 4 paredes Projection of "The speech of Goats and Goatherds" onto four walls — Serra da Estrela
500cm x 210cm
Diferentes vistas da vídeo-projeção "A Fala das Cabras e dos Pastores" Different views of the video projection "The speech of Goats and Goatherds" — Serra da Estrela
Vídeo "A Fala das Cabras e dos Pastores" Video "The speech of Goats and Goatherds" — Serra da Estrela.
Alexandre Delmar, 2023
ANO YEAR · 2023
CO-AUTORES COAUTHORS · Alexandre delmar & Maria Ruivo
Legendas ExpandidAS Expanded Subtitles · João Terras
GALERIA GALLERY · a Moagem | Cidade do Engenho e das Artes, Fundão, PT.
financiamento FUNDING · Bolsa (Re)Cri’Arte - Município do Fundão
programaDOR cultural cultural programmer · Miguel Rainha
produção PRODUCTION · Telma Marques, Esmeralda Tavares, Catarina Correia
montagem da exposição exhibition assembly · João Caria
Agradecimentos especiais SPECIAL THANKS · Pastores da serra da estrela serra da estrela goatherds — Américo Albuquerque / António Tomás / Carlos Ribeiro / Dinis Oliveira / Eduardo Pereira / Francisco Santos / Gonçalo Santos / Joaquim Marvão / Jorge Cardoso / Miguel Pula / Pedro Marotão / Ramiro Menino